Os golpes que instauraram as ditaduras civil-militares do Cone Sul fizeram com que muitos cidadãos perdessem suas liberdades e direitos civis. Os opositores ao regime – grupo mais afetado neste período – eram perseguidos politicamente e seus filhos também poderiam ser atingidos. Algumas dessas crianças foram sequestradas e/ou adotadas ilegalmente por militares ou pessoas ligadas a eles, ocasionando assim, marcas psicológicas que permaneceram ao longo de suas vidas. Assim, muitos filmes têm versado sobre esta questão ainda bastante sensível e sobre a qual é tão necessário debater. A observação da infância e como esse período violento afetou a vida de centenas crianças pode ser abordada por meio das produções ficcionais, cuja linguagem e o uso de recursos audiovisuais pode produzir significados e afetos, permitindo uma aproximação das pessoas com aquele conteúdo e vivências. Deste modo, o presente estudo procura analisar de que modo as ditaduras civil-militares de Segurança Nacional do Cone Sul foram apresentadas no cinema, enfatizando as personagens infantis, procurando portanto, compreender de modo mais aprofundado e referir as memórias deste período da história latinoamericana. A metodologia aplicada consistiu em realizar uma ampla revisão bibliográfica do conteúdo abordado, selecionar filmes relativos ao período dos regimes autoritários dessa região e que se relacionassem com os objetivos do trabalho, optando por produções de diferentes países no intuito de refletir sobre as diferenças e aproximações destes regimes. Dessarte, as obras cinematográficas escolhidas foram “Infância Clandestina” (2012), dirigida por Benjamín Avila; Kamchatka (2002), dirigida por Marcelo Pineyro; e “O ano em que meus pais saíram de férias” (2006), dirigida por Cao Hamburger (sendo as duas primeiras argentinas e a última brasileira). Após assistir às películas, as cenas foram fichadas e analisadas por meio das categorias relacionadas à representação e teorias da produção fílmica, sendo percebidas as similaridades entre cada obra e a maneira como tais regimes foram retratados e percebidos por meio do olhar infantil. Os resultados parciais indicam que uma das motivações para as adoções dos filhos dos “subversivos”, era a intenção de reeducá-los conforme os ideais do regime, a fim de estimular a sua simpatia ou adesão ao sistema vigente. Aqueles que foram adotados tiveram suas verdadeiras identidades subtraídas por anos, não sabendo nem seus nomes, muito menos suas origens. Somente alguns conseguiram descobri-las entre os documentos tornados públicos pelo governo em programas que visam investigar graves violações de direitos humanos, como a Comissão Nacional da Verdade. Além disso, nas obras fílmicas analisadas, pode-se perceber que em diversos momentos são resgatados fatores lúdicos da infância mesmo em situações de extrema violência, como perda de um ente querido, adaptação frente à nova realidade ou, até mesmo, durante o amadurecimento forçado do personagem. Decorrente da trama ser exibida a partir do ponto de vista infantil, a lacuna de interpretação deixada pelo filme torna-se maior, uma vez que o uso desses personagens permite explorar as entrelinhas dos acontecimentos. Por conseguinte, é possível concluir que o cinema é um veículo interessante para que as reflexões sobre este período possam ser apresentadas, uma vez que as ditaduras civil-militares do Cone Sul não apenas são relativamente recentes, como deixaram um verdadeiro rastro de impunidade e violência como heranças sociais. Palavras-chave: ditaduras civil-militares, terrorismo de estado, infância, cinema